quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Homilia do Evangelho do 9º Domingo após o Pentecostes (Mt. 14:22-34), Arcebispo Dom Chrisóstomo

Amados Irmãos o Evangelho que acabou de ser proclamado é por demais conhecido de todos nós. Muito já se falou do simbolismo e significado espiritual da barca, da turbulência no meio da noite, de Pedro andar sobre as águas e Cristo vir ao encontro da barca. Mas na narrativa deste episódio um detalhe pode passar despercebido.

Imagem relacionadaNosso Senhor Jesus Cristo, antes de partir na noite, ao encontro dos Seus Apóstolos, se recolheu para orar. Às vezes, quando lemos esta passagem, não prestamos atenção a este detalhe, e é o caso de se perguntar: por que Cristo se recolhia para orar? E os evangelhos narram vários momentos em que Ele fez isso. Sendo Deus Ele precisa de orações? Sim, cabe a pergunta, porque normalmente nós entendemos a oração como pedidos a Deus, como se a oração fosse uma espécie de medicamento imaterial para nossas mazelas. Não existe um adesivo de carro: “Ora que melhora” . É verdade que a oração também é súplica. Na Sagrada Liturgia também fazemos súplicas, nas nossas litanias, pedimos pelos doentes, pelos prisioneiros, pelos viajantes, pelos que se encontram em perigo, mas também temos orações de louvor, temos orações de graças. Ou seja, uma oração com outro teor. É a isso que temos que prestar atenção, e esta passagem do Evangelho, contém uma boa pedagogia a respeito.

Pois vejam, a oração não é só para pedidos e súplicas. São João Chrisóstomo diz não entender porque as pessoas dizem que têm diGiculdade para orar, porque o homem foi criado para a oração. Deus não criou o homem para viver só. Deus criou o homem para a comunhão, para o diálogo de amor, e Deus é puro Espírito, e o diálogo com Deus é oração. João Chrisóstomo dizia que a oração é o estado natural do ser humano, ou deveria ser. O problema é que houve a queda e a nossa natureza foi afetada, esse é o nosso problema, porque no mais profundo da nossa alma, como diz São Basílio, nós ansiamos por este diálogo de amor. Daí tanta carência que vemos no mundo. Carências que se apresentam de diversas maneiras Na verdade existe é a necessidade desse amor espiritual, do alimento espiritual, e muitas vezes se confunde isso com carência afetiva, ou qualquer outro tipo de carência possível nos nossos tempos. Os padres do deserto falam da oração de duas formas diferentes, que querem dizer a mesma coisa: a oração é entregar-se nas mãos de Deus, para conhecer a pessoa que somos; a outra forma de dizer a mesma coisa é: a oração é um mergulho dentro de nós próprios, para nos encontrarmos com Cristo.

Se entendermos a oração dessa forma, vamos também entender São Pedro quando diz: “Senhor, bom é estarmos aqui…” (Mt.17,4). Vamos entender as palavras do Profeta quando diz: “Eis-me aqui” (1Samuel 3,4).

Nosso Senhor Jesus Cristo recolheu-Se em oração apenas para estar com o Pai. Estar com o Deus é bom, é salutar, nos recompõe, restaura a nossa pessoa à imagem e semelhança do Criador. Podemos, e devemos, orar apenas porque é bom, para estarmos alguns instantes diante e próximos do Bem supremo. A oração é principalmente este momento íntimo, secreto, místico de diálogo com Deus, e isso se faz recolhido, no silêncio, só, mergulhando-se dentro de si mesmo, buscando ver o que surge aqui de dentro, repetindo as palavras da oração, quase como se fosse saboreando-as: “Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim”. É uma súplica, mas antes de tudo um momento de encontro íntimo entre nós e Deus, e esse momento de encontro íntimo nos recupera, nos restaura, nos transfigura. É necessário se fazer esse exercício de oração, porque, pelo ponto de vista espiritual, a consequência, em cada um de nós, da expulsão de Adão e Eva do Paraíso, é termos todos os nossos sentidos, a nossa mente, os nossos pensamentos voltados para as coisas cá de fora (do mundo). Nosso espírito está voltado para o exterior.

Temos a necessidade de nos preocupar, querer saber, resolver e nos envolver com tudo o que se passa fora de nós, a nossa volta. Isso é a expulsão do Paraíso em nós. É necessário fazemos o caminho de volta. No início é diGícil, é doloroso. Essa é a nossa maior batalha. Quando se diz que o Reino dos Céus será tomado por assalto (à força) ou quando se diz que os cristãos são soldados de Cristo e que o nosso maior inimigo somos nós próprios, é disso que estamos falando. Quando tentamos mergulhar em nós próprios na oração, vamos lembrar da água sanitária, das compras, do trabalho, de tudo na vida. Surgem cheiros, sons, até comichão. Vem um danado de um sono, porque é também muito comum pegar num rosário e cair dormindo. Temos que lutar contra tudo isso. Aprender a estarmos serenos, tranquilos e satisfeitos de estar ali, naquele silêncio.

No inicio, quando fechamos os olhos e penetramos dentro de nós próprios vemos uma escuridão, uma escuridão turbulenta, é a imagem das águas do Evangelho, sobre as quais Cristo caminhou naquela noite. Mas se tivermos vontade, e vontade nesse caso é expressão do amor a Deus, se quisermos realmente um encontro de amor com Deus, então continuamos tentando. Se não conseguimos hoje, vamos conseguir amanhã, se não conseguir amanhã continuamos depois de amanhã e continuamos assim, tentando. É assim que se ama, querendo, buscando. Os santos Padres da Igreja usam uma imagem da oração como se fosse um orvalho da noite num deserto ressecado. Vem o sol no dia seguinte e seca tudo de novo, mas volta a noite e de novo o orvalho. Se insistirmos, um dia virá a chuva, e essa chuva vai molhar a terra, e um dia essa terra será o leito de um rio de águas transbordantes. É a promessa que o Cristo fez a Samaritana no poço de Jacó. É ao mesmo tempo o chamado de Deus, a verdadeira vocação do homem.

Nos momentos de angústia e tribulação, é mais do que justo e lícito que peguemos no rosário, ajoelhemos diante do ícone e supliquemos chorando pela nossa salvação, pela cura de doenças, pelo próximo, por exemplo. Isso é uma forma de abrir a alma diante de Deus e nossa oração será tão eficaz quanto mais verdadeira e fervorosa ela for. Mas a oração não é só isso. Não nos concede apenas o que pedimos. Antes de tudo nos devolve, nos resgata ao nosso estado primitivo, ao nosso estado original de verdadeiros seres humanos, criatura de Deus, que vai ao encontro do Seu Criador, que vai ao encontro do Amado, do amor sublime.

Deus fez o homem para o diálogo e o diálogo com Deus é espiritual, porque Deus é Puro Espírito. Deus é a própria Santidade. Esse diálogo só é possível entre os santos e Deus, e Deus nos criou para isso, para que sejamos santos. A fome mais íntima que temos na nossa alma é de sermos santos, é de encontrar a plenitude da vida, a serenidade. É isso que todo homem quer e precisa. Alguns se distraem, achando que vão encontrar isso em outras coisas. As coisas que são do mundo também são necessárias, mas não se pode fazer confusão. Temos que saber que temos que realizar a nossa vocação, de, como criaturas de Deus, viver uma vida de amor espiritual. A oração é o caminho, o meio que nos restaura, ou que nos transfigura, que nos instala como verdadeiros seres humanos, como verdadeira pessoas, como verdadeiras criaturas de Deus. E eu vos exorto à oração, que se recolham em silêncio, se preparem para que, tranquilos, fiquem o tempo que se puder ficar, nesse momento de encontro de silêncio, de paz, de serena felicidade.

Então estaremos nos recompondo, fazendo o caminho contrário ao do pecado, e estaremos preparados para no Reino dos Céus reconhecermos a Cristo como nosso Senhor e Salvador e com uma pronta alegria dizer: “eis-me aqui e como é bom estar aqui”
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Dom Chrisóstomo Arcebispo do Rio de Janeiro e Olinda-Recife



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