quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Em busca da Ortodoxia



... Jesus lhe disse: “Você não está longe do Reino de Deus”.  Mc 12, 34
“Mas eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim” (João 12:32).

"Assim como um abade disse que os motivos porque adentrou num mosteiro foram variando ao longo dos anos, de forma que aquilo que o impulsionou a entrar já não era mais o que o fazia permanecer, sinto-me compelido a essa mesma justificativa quanto à minha entrada na ortodoxia. 

Minha busca objetiva pela ortodoxia começou há mais de uma década, embora possa afirmar que intuitivamente sempre existiu dentro de mim um anseio por essa ortodoxia que eu nem mesmo sabia que existia. 

Meu primeiro contato se deu ao acaso providente, quando em busca de maiores informações sobre o apóstolo São João (que creio ter sido meu intercessor espiritual nessa busca), me deparo com a beleza cortante de padres ortodoxos paramentados em celebração de um ofício. Eram os monges de Patmos numa solene véspera de pentecostes. “A beleza salvará o mundo”, teria intuído Dostoievsky em vários trechos de seus romances. Mas aqui não se trata apenas de exacerbação do culto das formas ou de um esteticismo aprisionado na matéria; mas sim de uma intuição profunda que vê o sagrado refletido na criação. De uma realidade que transborda pelo visível, mas que é ela mesma invisível aos olhos carnais. Na boca do ateu Ipolit, Dostoievsky lança uma intrigante questão ao príncipe Mynski: como “a beleza salvaria o mundo”? Diante a questão filosófica-silogista o príncipe (como boa imagem de um cristão verdadeiro) nada diz, mas se coloca junto a um jovem de 18 anos que está a agonizar e fica cheio de compaixão e amor até ele morrer. Essa cena revela que a beleza é o que nos leva ao amor condividido com a dor (Deus assumiu para si a nossa sorte: Jesus é a encarnação da misericórdia divina que sofre a dor humana para daí libertar o homem de seu maior inimigo: a morte!).
Nesse sentido, também, minha busca pela ortodoxia era uma busca pela vitória sobre a morte. Na Igreja latina experimentei fortemente a força da paixão, do Cristo da sexta-feira santa, mas os domingos pascais pareciam embotados na vivência litúrgica paroquial. A ênfase no Cristo humano histórico, solidário aos homens e portador de uma mensagem inspiradora parecia sobrepujar o Cristo vencedor, que foi ao hades e de lá ressurgiu para atrair a todos e ascendê-los à uma vida divina. 

O que Cristo fez é de tal magnitude que não podemos inscrevê-lo ao lado de outros fundadores religiosos num sentido horizontal. O cristianismo inteiro de alguma forma intui isso e faz denotar esse caráter de exclusividade, mas depois de duras revoluções no ethos ocidental a visão latina tem tendido sempre a nivelar Jesus a outros líderes religiosos, bem como a parear o cristianismo com outros sistemas espirituais para assim angariar simpatias e boa vizinhança.  A páscoa ortodoxa não encontra equivalência em todo o restante do cristianismo. O esplendor e a manifestação explícita do Cristo ressuscitado e vencedor da morte, do pecado e do diabo deixou de ser o centro do mistério cristão latino, cedendo espaço para uma apreciação mais humanista e, por vezes, mesmo piegas.

Quando, depois de alguns anos procurando pela ortodoxia, participei da minha primeira divina liturgia, senti que uma força espiritual irradiava dali. Como a hemorroíssa que apenas ao toque na veste de Jesus é curada porque Jesus possuía uma força em si, assim senti que naquela divina liturgia havia uma força que emanava não à custa de expressões forçadas, de palavras improvisadas, de gestos inovadores e criativos, mas de um gracioso tesouro recebido e transmitido ao longo dos séculos. De uma vida que aprendeu a confiar em Deus e em sua misericórdia. 

A Igreja ortodoxa não me parecia apenas um nicho de velhas tradições e sentimentos nostálgicos por uma arqueologia religiosa e sim algo vivo e dinâmico, concreto e muito cônscio daquilo que possui como herança transmitida pelo próprio Senhor aos seus apóstolos e que por sua vez transmitiram (à custa de suor, sangue e Espírito) tal fé à posteridade dos cristãos.

Procurei pela ortodoxia durante muito tempo mesmo sem saber que ela existia; e ao vê-la diante de mim foi como se houvesse retornado à minha casa natural, à fé que – de alguma forma – meu coração sempre ansiou com todas suas forças. 

Venho da Igreja romana e desfazer meus laços com ela não foi tarefa fácil. Me enchi de pudor e receio de estar me enveredando por um caminho de ilusão, de uma busca fantasiosa. Temi ser traidor. E, creio, que esse seja um peso comum e uma barreira a ser ultrapassada por aqueles que ousam uma busca pela verdade. 
Existe, na busca por uma fé ortodoxa, o perigo de transformamos a ortodoxia em algo meramente externo. Ortodoxia não pode estar desligada de ortopraxia: fé e vida precisam caminhar juntos! Não raras vezes buscamos fora aquilo que está faltando dentro, buscamos ver realizado no mundo aquilo que fracassou dentro de nós mesmos. 

Frente a esse impasse, duas coisas justificaram meu caminho interiormente: a busca mais profunda por um catolicismo naquilo que é mais característico e a busca por um caminho mais “perfeito” de viver a fé cristã. Onde estava preservado e onde era melhor transmitido aquele pensamento católico mais vigoroso? Em meio a todo pensamento neoliberal e antropocêntrico que invadiu mesmo as nações cristãs, descobri que a ortodoxia é aquela que ainda tem a coragem de afirmar uma fé que é escândalo para os padrões do mundo decaído. 

São João Cassiano ao adentrar nos desertos do Egito em busca de uma melhor vida monástica se encanta com o que lá viu. Fica, porém, retido no seu desejo de maior perfeição por medo de quebrar seu voto de permanência em seu mosteiro original. Os anciãos que o aconselham (Cassiano e Germano), lhes garante que a ruptura por anseio de maior perfeição é um ato legítimo
“Bem sabíamos que não consentia
abrir as portas da perfeição 
senão àqueles que a desejavam com fé 
e a procuravam com coração contrito.”

Eu diria que essa foi a regra que permitiu minha conversão à ortodoxia: não era uma busca leviana de um girovago que busca apenas a si mesmo, que não se submete a nenhuma estrutura e que não suporta as falhas alheias, mas uma busca contrita de fé católica em seu vigor original. 

Portanto, afirmo que me tornei ortodoxo afim de permanecer católico. Saí a procura daquela fé transmita pelos apóstolos. Encontrei-me com meu lugar natural que não teme crer na Trindade Santa por mais que isso soe absurdo e irrelevante ao mundo contemporâneo, uma fé que soa anacrônica e por demais enrugada, mas que, não obstante a esse estereótipo segue sua trilha nos passos do seu Senhor que também criou dura inimizade com o espírito desse mundo e que ainda assim amou até o fim.

Cristo ressuscitou! Em verdade ressuscitou! Segue sendo o grito libertador e vitorioso de todo cristão ortodoxo que não mais coloca suas esperanças nas estruturas desse mundo." -- Albino (Rodrigo) Virtuoso, membro da Missão Ortodoxa de S. Cirilo e S. Metódio.

Celebração do matrimônio dos fiéis Albino e Priscila

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